O artigo inteiro aqui.
Aqui, penso que conseguem ver. É uma brincadeira, mas faz algum sentido faz.
Claro que, no caso de um texto literário, já não é tão fácil ver qual é qual.
1. Primeiro o exercício para a Páscoa:
Faça um livro para crianças (ou não) de 20-22 páginas, com a medida ideal de 1-3 frases breves q.b. por página,
Pode usar uma das várias máquinas que já apresentámos:
Modelo de excelência do método SER (Simplicidade, Economia, Rigor)? Ora, o filme Pai e Filha, de Michael Dudok de Wit.
2. Exercício 14, de revisão.
3. Questões ideológicas e de género
3.1. Insuspeito, o caso da exposição na faculdade
3.2. O depoimento da Senadora Kattie Britt, em resposta ao Discurso à nação do Presidente Biden, na cozinha.
3.2.1. A sua paródia aqui.
3.2.2. Também aqui a comparação entre a voz naquele depoimento e noutros.
Don't bullshit me. Don't make shit up.
Don't look me in the eyes. Just go.
With your fancy discourses I am fed up
as with your fake goodbyes. Don't make a scene, so low
Don't say you're sorry or that life
sometimes is like this: that everyone forgets;
that the world and time heal the wounds, my wife,
I repeat: begone, take your assets
Take them, take everything
that we once thought we shared:
books, sculptures, even my ring,
the records and photos for which we cared.
Don't leave a record or adress,
My love, go fuck yourself, I confess.
Exercício 12
A
morte: Ele nem imagina que vai morrer esfaqueado no fórum!
Roubo: Mais
uns segundos e o trono não será mais dele…
Concurso: Hihihi,
não sabe que não pode participar no concurso por ser só para mulheres!
Publicar: Que
parvo! Pensa que o publicaremos!? Até parece, só publicamos os amigos!
Posse: Coitado…
Amanhã a esta hora nada disto será seu… Para felicidade minha, será meu!
O
frete: Ele não faz ideia do que o espera! Uma feira romana!
Ele nem gosta, mas vai ter de fazer o frete!!
Queijada
de Sintra: Aquele de certeza que quer uma queijada, mas vai
ficar desiludido… Levo a última!
As
escadas: Olha-me para aquela, não vê que o elevador não
funciona? Vá de escadas, para aprender!
Exercício 13
Avião
Num
avião…
-
Água ou café?
-
Uma água, por favor.
-
Errou… É café!
A
desilusão
-
Tem Coca Cola?
-
Sim!
-
Então era uma, por favor.
-
Estava a brincar, só temos Pepsi.
-
…
Céu
ou inferno?
-
Vim parar ao céu, certo?
-
O quê? Deixa-me lá agarrar nesta lista onde diz tudo o que fizeste…
Testemunha
de Jeová
-
Quer ouvir a palavra do Senhor?
-
Não.
Olhos
que não veem
-
Eia Alberto, olha-me lá este livro!
-
João, somos amigos há trinta anos e ainda te esqueces que sou cego?
O
desgraçado forreta
-
Por 120€ tem acesso a este livro que vai mudar a sua
vida!
- Possa! Para isso mais vale continuar na desgraça!
Um bom profissional não depende só do talento, convém usar a ferramenta adequada. Se Shakespeare não tiver caneta, eu escrevo melhor que ele. E, mesmo não escrevndo melhor que Camões, posso rimar telemóvel com automóvel e ele não podia. Para um anagrama, a ferramenta é a tesoura, para pendurar um quadro um martelo será mais adequado que uma folha de papel.
Falando de formas e fôrmas e modelos/templates, estes ajudam-nos bastante. Com raquetes de neve, ganho uma corrida ao melhor atleta, se estivermos numa floresta com neve.
Com as vossas BDs, descobrem o fácil que é estruturar um texto - e como este fica narrativo, mesmo que não fosse essa a nossa intenção. Com o exercício da anedota, descobrimos capacidades inauditas de síntese, excelentes para um dossiê de imprensa ou uma contracapa.
Estes exercícios podem ser vistos ao contrário. O modelo pode ser aplicado a textos escritos por outros, que aliás é por definição o núcleo do trabalho editorial.
E podemos devemos fazer perguntas ao texto: estás bem doseado? qual o motivo central? fizeste boas escolhas? qual a pertinência de seres publicado? a quem (além de ao Menino Jesus) interessarás? que tipo de leitor prevês (e que compteências lhe pedes)? como te estruturas? o que te falta? o que tens a mais?
etc.
Agora, alguns dos vossos exercícios, a serem devolvidos na aula 6. É possível (já não vou para novo) que haja cromos repetidos ou algum falte.
No inventes
Déjate de mierdas. No inventes.
No me mires a los ojos. Sal, nada más.
Ahórrate los discursos elocuentes
y la farsa del adiós. No montes escenas.
No digas que lo sientes, o que la vida
a veces es así: que todo se desvanece,
que el mundo y el tiempo curan cualquier herida.
Te repito, mi amor: desaparece.
Y llévate lo que quieras de cuanto
un día sospechamos ambos guardar:
los libros, las esculturas en palo santo,
los discos, los retratos, el billar.
No dejes tu dirección. Por favor:
lo que quiero es que te den, mi amor.
Nazaré D. M.
Aula
12 de março de 2024
Exercício 12
2ªf
- Amanhã é segunda-feira.
Notícia.
- Tenho uma notícia para ti, não te preocupes, que o
fim é igual para todos.
Tenho
a dizer..
- O jantar é peixe cozido.
Há
sempre opção
- É obrigatório, e é para avaliação.
Casa
- A porta fechou-se, e lá dentro não estava ninguém.
Temos
escolha?
- A escolha é vossa…sempre.
Liberdade?
- Façam como quiserem…
Há
uma escolha
- Vens?
Exercício 13
Eventualmente,
acaba
- Então e no fim?
- Eles não ficam juntos.
Não
contes
-Achei que devias saber…
- Às vezes, escolho a ignorância.
Vens?
- Então e tu, vais mesmo ficar, não vens?
- Sim, vou ficar.
Não,
não era um não. Mas também não era um sim.
- Mas disseste que não?
- Não. Mas também não disse que sim.
Irei
sempre
- Olha, e se formos…
- Vamos!
Feliz!
- Ele trouxe-me flores!
- Boa, mas vão morrer.
Beatriz
C. M. Silvestre
Esta nova edição de autor de um livro que tinha saído na prestigiada Assírio e Alvim é interessante. E, tanto quanto sei, a segunda aventura de António Jorge Gonçalves na edição de autor de luxo.
Don't give me your bullshit
Don't give me your bullshit. Don't preach.
Don't look me in the eye. Just go.
And spare me any great speech
or the lies of goodbyes. Don't put on a show.
Don't tell me you're sorry or that it's life
sometimes: It kills off all light
that the world and time heal any strife
I'll say it again, my love: get ou of my sight.
And take all that you want
from what we thought we would one day share
the books, the decorative elephant
the records, the portraits, the chair.
Don't leave an address. I'm begging:
just go fuck yourself, my darling.
Catarina Vieira
Don’t give me that shit. Don’t even try.
Don’t look me in the eyes. Just quit.
And spare me the speeches to justify
And the farces of goodbye. Don’t throw
a fit.
Don’t tell me you’re sorry or that living
Is like this sometimes: that we forget a lot;
That the world and time heals any suffering.
I’ll say it again, my love: Get lost.
And take whatever you want from
What we once thought we shared:
The books, the sculptures, the rum,
The cd’s, the portraits, the bed.
Don’t leave any addresses. Kindly:
I want you to go fuck yourself, my lovely.
Ana Marta Gouveia
Tentativa de tradução do poema para grego antigo
Principal dificuldade: metade das palavras não existe.
Μὴ ἐπίψευδε
Μὴ γὰρ ἐμοὶ σὺν σκυβάλοις προσέρχου. Μὴ ἐπιψευδε.
Μὴ ἐμοι εἰς τοὺς ὀφθαλμούς βλέπε. Ἄπαγε.
Καὶ τοὺς λόγους καλοὺς ἀποφεῦγε
καὶ τὰς ἀπάτας τῆς ἀποτάξεως. Μὴ ἔργα πράττε.
Μὴ γὰρ λέγε ὅτι θρηνεῖς ἢν ὅτι ὁ βίος
ποτὲ οὕτῶς ἐστιν· ὅτι πάντα ληθητά ἐστιν·
ὅτι πάσας τὰς πληγὰς
Ἐπαναλαμβάνω, ὦ ἀγάπη μου· Ἄφευγε.
Καὶ γάρ τι ὅσων ὅτι βούλει ἐκ πάντων
ποτε κοινωνῆσαι
τὰ βιβλία, τοὺς γλύπτας τοῦ ξύλου,
τοὺς δίσκους, τὰς εἰκόνας, τὸ παίγνιον.
Μὴ τόπους ἀφίει. Παρακαλῶ·
θέλῶ να γαμήσου, ὦ ἀγάπη μου.
António F. Vicente
Exercícios 11, 12 e 13. Fôrmas e formatos.
1.1. Há um modelo e é útil usá-lo, mas depois até pode ser vantajoso desviarmo-nos dele.
1.2. A má formulação do exercício 11: «Este prémio discriminatório é legítimo?!» Porquê aquela exclamação?! Porquê aquele conteúdo, já a dirigir a resposta e a censurar o concurso? Havia má fé da minha parte na formulação, pois pressupunha logo que considerava aquilo errado. Fica como amostra de como o modo como formulamos as questões pode logo à partida viciar essas mesmas questões e condicionar (neste caso, mesmo intimidar) as respostas.
1.3. Vê o que faço, não o que digo que faço.
1.4. Editar é escolher.
1.5. Modelo/molde de história: X quer ir do ponto A ao ponto B, mas é desviado para C.
2. Quando quem diz é (talvez sem dar conta) quem é.
2.1. É legítimo, em nome do «Bem», despedir os «Maus»? E como decidi eu quem são os Maus? Eu = Bom, «eles» = maus», é isso?
2.2. O caso de António José da Silva. E a sua lição; «Todos somos homens de ganhar, o que desautoriza é o modo.»
3. Metástases de Alberto Pimenta. Anagramas perfeitos (completos) verso a verso com uma surpresa mágica no fim. O resultado pouco importa, o poema é a resolução de um desafio que se apresentava impossível.
O processo é o prodígio.
Uma boa volta a uma conhecida história.
Tentativa de tradução do poema Não Inventes para italiano
Inês Vidal
No inventi
No mi vieni com cose. No inventi.
No guardi miei occhi. Vadi appena.
Mi salva a discorsi eloquenti
e alle bufali di oddio. No facci sceni.
No dire che lamenti o che la vita
a volte è cosi: che tuto dimentica,
che il mondo e il tempo guariscono qualunque ferite.
Ripeto, amore mio: svaniscete.
Porta lo che te voglia di tutti quanti
un giorno sospettiamo condividere:
i libri, le sculture in legno,
i dischi, i retrati, lo biliardo.
No lascis indirizzi. Per favore:
vorrei che ti scoppi, amore mio.
N’invente pas
Ne
m’emmerde plus. N’invente pas.
Ne me
regarde pas dans les yeux et sors sans peine.
Épargne-moi
ces discours-là
et les
farces des adieux. Ne fais plus de scènes.
Ne dis pas
que t’es désolée ou que dans la vie
le monde et
le temps guérissent tout ;
que c’est
juste comme ça, que tout s’oublie.
Je répète,
mon amour : je m’en fous.
Emporte
avec toi tout ce que tu veux
de ce que
l’on a voulu partager :
les livres,
les sculptures de mes aïeux,
les
disques, les photos et la table à manger.
Ne laisse
pas d’adresse. Je t’en supplie :
je veux que
tu te casses, ma chérie.
Don't play me
Don't make shit up. Don't play me.
Don't look me in the eye. Just leave.
And spare me all your crazy
talk and false goodbyes. Don't make a scene.
Don't say you're sorry, that some days
life is this way: that all is forgotten;
that the world and time will heal any pain,
I'll ask again, my sweet: be gone.
And take anything you want to,
Of what we once presumed to share:
the books, the CDs, the fondue,
the pictures, the massage chair.
Don't leave an address, please:
I want you to fuck yourself, my sweet.
1. O princípio do constrangimento
1.1. ajuda a libertar cabeça e mão. Parece um paradoxo mas é como o soneto de Camões «Amor é fogo que arde sem se ver». Aliás, como observou Jorge Luis Borges num ensaio breve mas luminoso sobre Oscar Wilde (ou luminoso precisamente porque breve), os oxímoros e outros paradoxos são muitas vezes a expressão mais eloquente do bom senso.
1.2. OuLiPo. Quem se quiser interessar pelo OuLiPo, pode fazer pesquisas. Há vários livros com os seus exercícios e constrangimentos, além de livros concretos (ficção, poemas, peças) esctiros escritos pelos seus membros.
1.3. Importante é usar o instrumento adequado. Muita gente não o faz e depois falha, não por falta de jeito, apenas por falta de presença de espírito. Um exemplo flagrante (não dado em aula) é o anagrama. Basta pegarmos num nome e alterar a ordem das letras. O OuLiPo «inventou» o Belo Casamento: oferecer a um par de namorados um anagrama com os nomes de ambos. Aqui torna-se claro que, se fizermos só contas de cabeça, será muito diferente de usarmos a caneta para as várias tentativas. Mas há um instrumento de escrita ainda melhor: a tesoura. Se escrevermos as palavras a usar no jogo e depois cortarmos as letras com uma tesoura, fica muito mais fácil baralhar as letras e vê-las como aquilo que doravante são, as peças do jogo com que vamos jogar.
2. Fizemos os exercícios 8-10. Notável como toda a gente (pelo menos 100% das que ouvimos em aula) conseguiu fazer uma boa história com apenas três palavras, obedecendo ao constrangimento imposto.
3. Mini masterclass com Rita Ray
E tivemos uma breve visita de Rita Ray, tradutora do português e do francês para língua bangla.
Luísa: E perdeu tudo.
Parti a
unha. Não sabe ler. O cão morreu. Morrem no fim.
Francisca: A sobremesa acabou.
Afinal ela
morreu. A igreja ardeu. Ela disse não.
Vanessa: As abelhas morrerão.
Maria: Ela não envelheceu.
O Estrela
perdeu. A água acabou.
Não estou
certa.
Inês: Pariu. Estava morto.
Zagalo: Bolas, é cozido.
Próxima
paragem, Telheiras.
Mãe? Mãe?!
MÃE!!!!!
Lago
Há um lago dum tamanho horrível, que ela vê do porto abandonado. Muito do que esse lago suscita, intriga-a imenso e ela não consegue evitar aproximar-se. Mesmo sabendo que não devia, pois as suas águas escuras têm perigos desconhecidos, ela não resiste à tentação de mergulhar os pés.
A água gélida parece queimar-lhos, mas ela não recua. Alguma coisa a puxa ainda mais para a frente.
Largando para trás os braços deixa-se cair naquela água pelos tornozelos. Nos olhos vê inúmeras caras, flashando a cada tentativa de piscar os olhos. Mortos! Mortos por todo o lado. É tudo quanto aquele lago tem para lhe oferecer, fazendo lembrar o solo sangrento de uma terra de ninguém.
Horrorizada, a jovem tenta nadar para a superfície, mas os seus membros não mexem. O seu corpo está congelado e a única coisa que ela pode fazer é olhar em volta e esperar que a sua cara se junte aos inúmeros a seu redor.
Um murmurar quebra o silêncio agoniante. O som vem das profundezas do lago. É indistinguível mas sabe-se ser um som. Ela sabe que é um fonema, pelo menos isso...
Os seus sentidos tornam-se turvos com o medo e as alucinações começam. Distinguir o real do imaginário torna-se impossível naquelas temperaturas. Ela vislumbra algo nas profundezas que só pode ser uma ilusão da sua frágil mente. Afinal, uma mulher vestida de branco com uma luz iluminando a sua bela face, só pode ser uma ilusão. Ou talvez um anjo.
Para se tentar controlar, a rapariga no lago tenta pensar em qualquer coisa. Qualquer coisa! Mas a única coisa que lhe vem à cabeça é um belo rolo de carne que a sua mãe costumava fazer quando era mais jovem. Levava atum, o que era estranho, mas traçava com a Dijon de forma agradável, com a pimenta rosa, com os polvilhares de rosmaninho e...
-Sara!! Está na mesa!
Ah...adormecera em casa dos pais. Nos pés sente pingas afiadas.
-Porque é que chove dentro de casa?
-Han?
-ESTÁ A PINGAR!! NO SOFÁ!
-AH!!! O TEU PAI ESTÁ NO BANHO! ÀS VEZES ACONTECE! É muito grande?
-Sim...está aqui uma poça ao lado do sofá?
-Quão grande?
-Tem um tamanho horrível...
Hoje, para além do nosso trabalho normal (exercícios, exercícios, exercícios!) teremos a presença de Rita Ray, tradutora de Português para Bangla e durante muitos anos professora na Universidade de Jadavpur, em Kolkata (Calcutá).
Lamento o anúncio em cima da hora, mas esta é uma presença não agendada e agradeço desde já a cortesia da ilustre convidada.
Sôbolos rios que vão
acompanhados de cardume
em direção à escuridão
como de costume.
Um pássaro implume
permanece no chão
lá bem no cume
à espreita do pão.
A raposa que é tão esperta
tem o pássaro em mente
pois a fome já aperta.
Corre sem rumo já dormente
abre a boca e acerta
na morte do pássaro demente.
Ana Marta Gouveia
Catarina Vieira
Inês Martins
Nazaré Matias
Sôbolos rios que vão
contorcendo-se pela encosta
soam ventos em resposta
aos problemas que virão.
Sabe-se bem que o rei gosta
de uma grande multidão
e observá-la da encosta
traz-lhe a maior satisfação.
Por ela o rei chama a chuva,
mas também vem o tormento
de apanhar chuva sem luva.
Chega o momento,
e ela cai turva.
O céu permanece cinzento.
Catarina
Marta
Nazaré
Inês
[Sem título]
Era uma vez um dragão. Este dragão guardava o seu tesouro mais precioso no seu esconderijo subterrâneo secreto. Saía uma vez por semana para esticar as asas. Quando saía, para garantir que ninguém chegava ao tesouro sem que ele desse conta, deixava-o atado por um fio invisível a uma enorme campainha.
Durante
séculos pôde esticar as suas asas tranquilamente nos seus passeios semanais.
Até que um dia… Ele ouviu. Aquele som tão agudo que contava nunca ter de ouvir.
Seria da cabeça dele? Quereria ele ouvir a campainha, ansiando companhia? Passaram-se
uns segundos até que ele finalmente reagisse. Claro que não queria companhia! O
esconderijo era secreto para evitar isso mesmo. Ainda assim, tentou ver quem ou
o que era sem ser visto.
Ao
espreitar, avistou um pobre ser humano, assustado com o som da campainha e a noção
de que estava prestes a ser apanhado. O humano ajoelhou-se e juntou as mãos
implorando para que o dragão não lhe fizesse nada. O dragão riu-se interiormente,
pensando que podia aproveitar aquele momento para se divertir às custas daquele
pobre coitado, que finalmente o tirava daquele tédio. Não, não o faria. Mesmo
depois de tanto tempo enfiado naquele buraco, que era a sua casa, mantinha os
seus princípios e bom senso. Aproximou-se do homem e esticou-lhe uma asa. O
pobre tinha um ar assustado, mas porquê se o dragão até estava a ser simpático
com ele? Não era o dragão mais assustador de todos. Nem era particularmente
grande. Nem tinha intenção de o comer. Conhecia um dragão que por esta altura
já o tinha devorado. O dragão tentou mostrar um ar inocente. Brincou com o
humano, dando-lhe pequenos toques de asa, mas isso só parecia assustá-lo mais.
Para deixar claras as suas boas intenções. Decidiu mostrar-lhe o seu tesouro.
Quando
o dragão abriu o esconderijo, os olhos do humano arregalaram-se. O medo deu
lugar à cobiça. Diante daquele tesouro, o humano mudou de ideias e decidiu que
iria roubá-lo. “Ingrato!”, pensou o dragão, percebendo a nova intenção do
humano. “Roubar o meu tesouro? Nem pensar!” Bateu-lhe com a asa e devorou-o ali
mesmo e depressa que já estava na hora da sesta.
Luísa
Margarida
Marcela
Beatriz
Sôbolos rios que vão,
por onde choro,
pássaros cantam em coro
como uma noite de verão.
As nuvens têm sempre o decoro
de chorar em união,
e eu sempre adoro
ouvi-las em canção.
Nas margens desses rios
o meu ser vagueia,
perdido em pensamentos solitários
enquanto desejo por companhia alheia,
embrulhado na mente de fios
à beira desta luz que encandeia.
Uma mosca sem valor
pousa com a mesma alegria
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria
Pousa em doces e salgados
esvoaça descontraída
mas sempre indagando os fados
da taberna que amofina
Quão triste que há de ser
a vida de quem não pousa
como a mosca a querer viver
mas que ao viver não ousa.
João Narciso
Beatriz Flores
António Vicente
Uma mosca sem valor
Pousa com a mesma alegria
Na careca de um doutor
Como em qualquer porcaria.
Vejo o mundo sem cor
através de meus olhos,
não alcanço o sabor
de quem tem sonhos aos molhos.
Abelha mas sem ferrão
não pousa de flor em flor
voa para longe do bulcão,
da tempestade tem temor.
Mas continua sempre à procura
de um lugar para existir,
de um lugar com frescura.
Pousa e fica a refletir.
Sôbolos rios que vão
e entram pelo mar adentro,
nada o peixinho ao centro
e no céu soa o trovão.
Assim teme o encontro
com o grande tubarão,
à procura de um antro
encontra um camarão.
Ambos temem o destino
que certamente os aguarda.
Deste tubarão cretino
Escapam pela retaguarda.
Que grande desatino,
Ele gostava da Eduarda!
Inês
Catarina
Marta
Nazaré
Transforma-se o amador na cousa amada
e a cousa amada na dor de cabeça,
vai tudo acabar na doença
nesta louca jornada.
Faz com que qualquer pessoa enlouqueça
Ao deparar-se com esta encruzilhada,
O homem mais firme tropeça
E acaba numa palhaçada.
Mas se há cousa em que acredito
É que quando a vida fica confusa
Acabamos por achar o nosso propósito,
No final, quem vence é a musa
Que neste dia bendito
Da nossa inspiração abusa.
Ana Luísa Vasconcelos
Mafalda Fontinha
Maria Clara Alves
Maria Fonseca
Mariana Fernandes
Transforma-se o amador na cousa amada
O seu coração caído no chão
Podre de solidão
Alma magoada
Vendo o fim da sua paixão
acaba em nada
Está a caminho do caixão
de si mesmo despojada
As consequências do desgosto
em que uma delas é a morte
E onde fica tudo exposto
Ao amador há que desejar sorte
porque já estamos em Agosto
e, para isto, é preciso ser forte
Ana Luísa Vasconcelos
Mafalda Fontinha
Maria Clara Alves
Maria Fonseca
Mariana Fernandes
Tocaram à campainha. Nunca respondo quando tocam à campainha. Não estou à espera de ninguém, então finjo que não é comigo. Graças à minha mente neurótica, é preciso que a toquem três vezes para que eu me levante do sofá. E, mesmo assim, há dias que nem isso. Acomodei-me nesta solidão tão confortável. E a campainha? Continua a tocar.
Parou. Agora sim, posso finalmente voltar a ver o Preço Certo. Nem acredito que o Fernando Mendes perdeu tanto peso! Detesto o Fernando Mendes como detesto a campainha. Tocou a terceira vez, lá vou eu.
Pego no intercomunicador e digo "Alô?". Ninguém responde. Abro a porta e desço alguns degraus, até conseguir ver a entrada do prédio. Vejo uma mulher parada. Está bem vestida, mas parece assustada. Terá sido assaltada? Não, talvez não. Sorri para mim e faz-me sinal, como quem pergunta se se pode aproximar. Queria dizer que não, mas, como gosto de acreditar que sou boa pessoa... que suba!
Sobe e explica-me que foi, de facto, assaltada. Tenho um sexto sentido para estas coisas! Pede-me para usar o meu telemóvel, para chamar alguém que a venha buscar. Sou boa gente, de facto. Mas também vejo muitos filmes de suspense. Penso que pode ser uma armadilha e fico indecisa. Por sorte, tenho o telemóvel no bolso, mas percebo que está sem bateria. Então, lá tenho de a deixar entrar...
Tem uma postura rígida, como se estivesse em casa dela e fosse eu a desconhecida. Tem uns sapatos vermelhos que me começam a irritar ao bater no chão despido de tapetes. Faço uma nota mental para arranjar um ou outro tapete. Encontro o carregador, e ponho o telemóvel a carregar no quarto. Quando vou explicar-lhe que terá de esperar um momento, já que o telemóvel está a carregar, percebo que ela desapareceu completamente. Com ela, a televisão.
É por estas e por outras que ignoro a campainha.
Margarida
Marcela
Beatriz
Luísa
Transforma-se o amador em cousa amada
Transforma-se
o amador em cousa amada
Vai
por todos os caminhos pensando
E
entre todos imaginando
Quando
dá por si, é alvorada.
Pela
agitação vai caminhando
De
consciência pesada
Todas
as possibilidades imaginando
Até
cair na encruzilhada.
Perdido,
não sabe como sair
Desta
existência angustiante
Sente-se
a cair
Numa
vida errante
Mas
será que vai conseguir
Sair
deste caminho triunfante?
Ana Luísa
Vasconcelos
Mafalda Fontinha
Maria Clara Alves
Maria Fonseca
Mariana Fernandes
Terminado este ano, muito obrigada pelas partilhas, Rui Zink. Muita sorte a todos os que ainda vão entrar no mercado de trabalho. Façam mu...