sábado, 30 de dezembro de 2023

O editor mostra ou conta?

Esta pergunta é desde já enganadora. Pressupõe numa resposta imediata e inequívoca que uma coisa (mostrar) anula necessariamente a existência da outra (contar). Ora, nada mais enganador. A resposta correcta é: depende. Depende do que o texto pede. Depende até do que o texto não está sequer a pedir pois aquilo que pedimos nem sempre é o melhor para nós e nem o que precisamos na verdade. O mesmo acontece com o manuscrito que será trabalhado pelo editor durante o processo de editing.

O editor para melhor conseguir ajudar o autor e o seu texto a sobreviver às duras provações de um público ora exigente ora desinteressado, que se distrai muito facilmente (a culpa é da eterna insatisfeita dopamina), pode propor alguns ajustes ao manuscrito original e adequá-lo às necessidades que a história "pede". Para o fazer tem de saber quando é preciso contar e quando é preciso mostrar.

Muitas vezes o trabalhodoeditorfunde-secomodoescritor, mas nessa relação entre dois é importante encontrar um balanço entre as técnicas literárias que favorecem mais o texto e aquilo que são as vontades do escritor para o seu livro mas que nem sempre são compatíveis com os planos do editor. Cabe a este último negociar e levar a bom porto esse plano traçado que traz ao texto o que ele precisa.

Falou-se já em aula que o editor pode propor alterações como: modificar o tempo verbal em que o texto está redigido ou até mudar a perspectiva do discurso narrativo, transitando-o da 3ª pessoa para a 1ª pessoa. Mais uma vez a adequação é muito importante. Se a história sugere uma atmosfera sombria de mistério então talvez a favoreça o uso da 1ª pessoa porque acrescenta ambiguidade à intriga. Entra aqui um conceito muito importante que é o do narrador não fiável (unrealiable narrator) que costuma andar de mão dada com a 1ª pessoa. Junta-se a fome com a vontade de comer porque é na 1ª pessoa que os unrealible narrators encontram um terreno fértil para germinarem e se desenvolverem.

Que seria do The Black Cat de Edgar Allan Poe se este contasse tudo, tudinho, retirando a imaginação e a participação do detective/leitor? Talvez já nem falássemos dele nos dias que correm. O conto The Fly de Katherine Mansfield também não seria tão enigmático e nem suscitaria tanto debate e interpretações (sobre o simbolismo da reacção do protagonista à mosca que se debate por sobreviver) que são feitas se contasse ao invés de mostrar. A beleza poética das descrições de Easter Eve de Tchekhov também não seria a mesma se ele contasse tudo como se o leitor fosse estúpido e sem raciocínio crítico. Nem a epifania final de Araby de James Joyce teria o efeito desejado sem o mostrar.

Ah! E para intensificar a atmosfera de incerteza de certos contos polvilha-se com uns pózinhos de pirlimpimpim de Anton Tchekhov com o seu característico mostrar e tcharam! Temos uma narrativa que não conta tudo e espera que o leitor preencha esses espaços por ocupar. Aqui entra o editor. Como este é companheiro do autor, com a sua sensibilidade e sagacidade procurará a técnica literária que melhor se adapta ao género de narrativa que o autor idealizou, para então depois a tornar mais apelativa e marcante para o leitor. Todas essas escolhas editoriais dependem das características de base do manuscrito que está a ser editado e da mensagem que se pretende transmitida para o destinatário.

A técnica literária mostrar é excelente porque permite ao autor não entregar logo o ouro (que é a revelação final) ao bandido (que somos nós leitores). São essas as histórias que não perecem no tempo.

(Artigo da revista Os Meus Livros, Número 96 Ano 8 Março 2011)

Vanessa Oliveira Anjos.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

A crítica joga com o baralho todo?

 Aplicando o nosso di-lema bons princípios/más práticas, há que deixar espaço para a crítica. Aqui um interessante artigo.

Duas ideias essenciais:

• Uma peça de teatro é pública, logo expõe-se à crítica, mas a crítica também é pública.

• Uma crítica responsável é ad opus, não ad hominem

E um lembrete:

• O tribalismo e a endogamia não deviam ter lugar na avaliação de uma obra por um jornal ou um júri. Na prática...



quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Do DN de hoje: mini-exercício

Cara Princesa,

Consegue identificar o erro em dez segundos? 

Se sim, está no curso certo. Se teve dificuldades, parabéns também, acaba de identificar um problema seu. É meio caminho andado para o, resolver. 


domingo, 24 de dezembro de 2023

E vai um Paul Auster para a mesa 1!

São muitos os clássicos que fazem parte desta quadra: ver os anúncios da senhora rica que anda de limousine e chauffeur mas que é de grande simplicidade porque pede chocolates ferrero rocher em vez de champanhe francês; assistir em família Home Alone 1 e 2 com o tio a ressonar de fundo; ser-se tomado pela fúria porque Die Hard não passa nos canais generalistas (e sim, Die Hard é uma Christmas Story mas o Kevin McCallister que é sociopata pode passar na Sic); entre outros rituais.

Há outros dois importantes clássicos que ficam deixados à margem e são tão (ou mais) natalícios como os anteriores. Por alguma razão perderam-se pelo caminho da memória colectiva e não se fixaram no tempo. Falo de um conto de Natal de Paul Auster chamado Auggie Wren's Christmas Story, e da sua respectiva adaptação cinematográfica, Smoke (realizado por Wayne Wang e com co-autoria de Paul Auster no argumento). Smoke tem inclusive uma estrutura de storytelling que se assemelha mais a um livro do que a um objecto de imagem, algo que o torna tão único.

São histórias que não podem faltar na minha mesa de Natal porque representam o que de melhor existe na arte de narrar, na beleza do diálogo inter-artes e no verdadeiro espírito desta época festiva que passa pela partilha das emoções, do tempo e não tanto do consumismo sem critério.

Para efeitos de presente de Natal estas sugestões de oferta cultural podem já ir tarde, mas podemos sempre fazer como o mágico Luís de Matos que não espera pelo Natal para presentear quem mais gosta. Qualquer ocasião serve para ele o fazer. Qualquer ocasião serve para nos fazermos presentes e combater a solidão (a nossa e a dos outros). E isso Paul Auster também nos ensina muito bem com a moral deste seu conto de Natal. São o género de narrativas que sinto falta de encontrar nas prateleiras.

Em baixo deixo um dos excertos que mais gosto do filme. Enquanto revia essa cena percebi que não faz apenas alusão ao gesto de observação do leitor no caso da escrita e do espectador no caso das fotografias ou da imagem em movimento. O trabalho de um editor também passa por aí. Passa por abrandar (e parar preferencialmente quando necessário) para que melhor compreenda o que o texto procura falar caso contrário tornar-se-á um diálogo surdo entre duas vozes que não se escutam e resultará num dead end: "If you don't slow down you'll never get it my friend." (Smoke).

 


Por falar em espírito natalício encontra-se bastante disso nos estabelecimentos comerciais.


Fica este vídeo para celebrar o dia de Natal!


Vanessa Oliveira Anjos.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Não! Não! Não!

- "Não!"

A palavra que mais escutaremos antes de ingressar no mundo editorial, na busca por uma oportunidade no meio.

- "Não!"

A palavra que mais escutaremos já durante a permanência no negócio editorial.

- "Não!"

Uma das palavras mais invocadas no seio de qualquer tipologia de relações humanas (empresariais inclusive). Mas a palavra Não, não deixa de conter em si um cunho muito mais saudável do que aparenta.

Foram os Nãos (e os fracassos que os acompanham) que permitiram aos participantes nos depoimentos inseridos no livro de bolso, Starting a Business (da colecção Lessons Learned publicado pela Harvard Business School Publishing), darem os passos necessários às suas conquistas. Foram três os depoimentos que li (10. Never take no for an answer; 11. Overcoming obstacles e 14. Do what you love.)  

Foi a adversidade do tamanho das garrafas que permitiu a Lord Bilimoria (Página 61) tornar-se pioneiro num mercado que oferecia agora pela primeira vez cervejas armazenadas em garrafas maiores que convidavam à partilha. Essa (à partida) contrariedade tornou-se a força do seu negócio porque os restaurantes parceiros passaram a ver aqui uma oportunidade de aumento de vendas. Estas cervejas criavam um "sharing environment" (Página 64) trazendo assim mais gente à mesa. Criava-se aqui a parceria ideal: os restaurantes encomendavam mais e a empresa de Bilimoria por sua vez escoava o seu produto engarrafado, nas inicialmente tão indesejáveis garrafas de 660 ml. 

A sua inovação de vender garrafas de 660 ml em oposição às tradicionais de 330 ml no Reino Unido, conquistou assim um espaço diferenciado no mercado. Lord Bilimoria fez das suas fraquezas, força. Um mantra que o nosso professor nos tem incutido e que o CEO da Cobra Beer tão bem representa. 

Nem todos os Nãos têm de ser assustadores. Na verdade, muitas das vezes até se combinam nas mais belas expressões que podemos escutar: "Não posso", "Não quero", "Não faço", "Não permito", "Não concordo", entre tantas outras combinações possíveis. Afinal, saber receber um Não é tão importante como dizê-lo.

O Não é o combustível que alimenta a vontade. E se esta for segura, verdadeira e motivada, não há Nãos que impeçam alguém de procurar concretizar os seus objectivos e iniciativas. Os Nãos também nos desviam daquilo que não nos serve o engenho, para nos direccionar no lado certo. Nem que seja para se escutar mais um Não que nos faça perceber que estávamos no caminho errado. Tudo isso são ensinamentos, é lucro que não se perde e funciona como investimento. Só se soma e ajuda a melhorar. 

É como bem diz Ricardo Araújo Pereira: "Estar vivo aleija". E olhem que não aleija tão pouco assim. Mas antes aleijar com os seus Nãos, do que não se sentir nada e ficar-se assim anestesiado para a vida. No dia em que não sintamos mais nada é sinal do fim. E com essa chegada também se findam as hipóteses de se ouvirem outros Nãos. É importante escutar muitos desses Nãos pela vida para não só nos sentirmos vivos, como ainda ajudam a valorizar o tão desejado e merecido Sim quando este finalmente chegar. 

Ser tenaz sim. Ser obstinado sim. Mas tendo sempre em mente as palavras de Brent Hoberman (um dos fundadores da lastminute.com) em todo esse longo processo:

It is definitely never accepting no as a first answer - maybe once you have it ten, twenty, thirty times, you have to start thinking about it (...) So there is tenacity, but there is also knowing when you really are hitting your head against a brick wall. But to find that out you have to hit your head several times against that wall. (Página 58)

Nota: Foram três os depoimentos que li deste livro e que passo a listar de seguida: 10) Never take no for an answer; 11) Overcoming obstacles e 14) Do what you love. Escolhi-os por me identificar com as mensagens que os respectivos títulos veiculam. Aconselho as suas leituras, assim como dos restantes testemunhos. A par com esta leitura sugiro um manual de desenvolvimento pessoal, que embora pensado para mulheres, na verdade traz TODOS à discussão sobre os desafios do mercado laboral. No capítulo 2 a autora desconstrói e desmistifica a ideia romântica e redutora de que o síndrome de impostor se cura. Temos sim de "aprender a distorcer a distorção" (Sandberg, 2014: pp. 53) que criamos de nós mesmos. E como o podemos fazer? "Quando não me sinto confiante, uma tática que aprendi é que por vezes fingir ajuda." (Sandberg, 2014: pp. 53). Muito consolador não é? Resumidamente,  aplicando a segunda lei de Newton à autoconfiança isso faz com que duas forças se anulem (a falta de confiança Vs. fingir que se tem confiança) e resultem numa força igual a zero E assim se nasce a autoconfiança que nem sempre se sente confiante em si mesma.

E não é que a senhora Sheryl Sandberg tem razão? Não há mal nenhum em sermos humanos.

                  

Vanessa Oliveira Anjos.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Isto é muito engraçado

 Finnegan's Wake é um livro que faz o Ulysses parecer um romance de cordel. Um Clube de Leitura atirou-se à hercúlea tarefa. E 28 anos depois terminou de ler. Ou terá mesmo terminado?

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Festivais literários na Índia

 Um artigo crítico aqui.

“Big cities like Mumbai, Bengaluru, Chennai, Delhi, Hyderabad, Kolkata and Jaipur, smaller cities such as Lucknow, Bhubaneshwar, Pondicherry, hill stations like Ooty, Dehradun, and even remote locations such as Corbett are hosting literary festivals. 

“On the surface, this seems like a very good trend. Imagine a country that is so robustly engaged in literature! But the truth lies elsewhere. Before I proceed any further, I have to confess that I am a participant in this culture that I am critiquing. (...)”



terça-feira, 19 de dezembro de 2023

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Vantagem não despicienda do livro em papel

 Ninguém no-lo pode tirar, a menos que entrem em nossa casa com um mandato policial. Já com o livro eletrónico...



Um livro nunca morre, hiberna

 E hoje (como já repeti em aula) há um mercado vivo de bibliotecas de gente da minha geração e dos meus pais que é vendida nos alfarrabistas do facebook. A moda ganhou força durante a pandemia, mas não desagradou, antes pelo contrário. 

Há os fãs das primeiras edições (que têm de ser a 1ª impressão) e há os outros. O professor Artur Anselmo, grande especialista do livro impresso (e da arte negra, vejam sff o que é), eu sou dos outros. Por isso não vou dar 150€ por isto. Mas 30€ era menino para dar, por uma reimpressão. 














domingo, 17 de dezembro de 2023

Gralhas ao cubo

 Num jornal, as gralhas são chatas mas no dia seguinte deixam de importar. Mais estranha é a epidemia de até nos títulos haver calinadas. Dizem que é a pressa, eu digo que é falta de pessoal. 



quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Atenção, leitores e serial killers!



 Agora que já tenho a vossa atenção, o lítio da edição junto com o Lecter ou o Leitor, talvez nos possamos focar em cumprir mais as boas regras e menos as más práticas – mas sem exageros.


E por falar em Maldição da Competição pela Atenção... 






terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Notas sobre públicos e mercados de Matthew Satdler

Na passada semana "requisitei" na biblioteca informal da cadeira o livro Literary Publishing in the Twenty-First Century, editado por Travis Kurowski, Wayne Miller e Kevin Prufer em 2016. Trata-se de uma compilação de ensaios escritos por vários agentes do universo da publicação de livros sobre o presente e futuro da área. O primeiro dos textos é da autoria de Matthew Stadler, autor e co-fundador do projecto Publication Studio. Originalmente uma palestra dada em 2012 na Universidade de Yale, The Ends of the Book: Reading, Economies & Publics reflecte sobre as diferenças entre públicos e mercados, sobre o acto de ler e de comprar livros. Partilho convosco um excerto que copiei para o meu caderno pessoal, por achar particularmente inspirador.
                                                                                        orientador.

"Reading can shape an economy. I call that practice "publication". (...) Publication is the creation of new publics in the culture of reading. It includes the production and circulation of books, the management of digital commons, and rich social life of gathering and conversation with books and readers. All of those activities together construct a space of conversation, a public space, which beckons a public into being. Shopping - which is the prevailing culture of our time, and which drives most of the choices now being made in the publishing industry - corrodes and evacuates publics. So real publication begins by quieting the noise of shopping.

    The culture of shopping is pervasive. What exactly does it do for you? Shopping stages the repeated performance of the self along rigorously organized lines. The purchase is its pivotal moment. (...) The act of choosing becomes a repeated affirmation of your selfhood and liberty.

Shopping positions you alone in the spotlight, center stage, performing the correct, repeated display of your taste. It atomizes it. Shopping is the opposite of reading.

(...)

    A plaza of holiday shoppers, no matter how crowded or busy, does not constitute a public. The atomized shoppers lack the crucial recognition of one another, the capacity to see each other and act in common. When we engage strangers as people, when we find ourselves partly by finding their selves, we catalyze a public. When we withdraw that recognition and categorically exclude or erase them, we retreat into something that is not public. Usually it is a market. The catalyzing or erasure of publicness is palpable. (...) In the spark of recognition, of common humanity across difference, you feel a public kindled; you feel its flame grow.

    There is no preexisting public. Publics begin in willful actions, an invitation, an event. A public can arise in any defined space that is open to strangers - a street, a meeting hall, a plaza or a park, or a book - and is best supported by small, formally clear settings where there is an obvious treshold to be crossed. An invitation to join, literal or implied, is crucial. A good example is the cover of a book, which can be opened or closed.

    We catalyze publics when we make and circulate books. The book held in a stranger's hand welcomes him into a space shared by others."

João Narciso 

Europa criativa – apoios

 A quem interessar, o concurso abre em janeiro 2024. Mais info aqui.

Autores portugueses lançam campanha nas redes sociais contra pirataria de livros

 Podem ler a notícia aqui.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Os quadradinhos não são infraliteratura!

Os quadradinhos (expressão do PT-BR para nos referirmos à banda-desenhada, graphic novels, etc.) a meu ver não são um género menor da literatura, tantas vezes visto como um parente pobre das letras que só serve para divertir o leitor. Deveríamos fazer como o Bart Simpson na abertura dos episódios dos Simpsons e escrever no quadro da escola tantas vezes quanto coubesse, que "os quadradinhos não são infraliteratura" para melhor interiorizarmos esta ideia.

O preconceito com este género literário, assim como com a literatura infantil e juvenil, parece impedir algumas franjas da sociedade de reconhecerem o seu mérito e capacidade para lidarem com assuntos sérios e delicados como a literatura de cariz mais tradicional.

Depois de ler The Tale of One Bad Rat, ocorreu-me um outro volume que lida com a mesma problemática de um modo ainda mais explícito e arrojado, reinventando o subgénero literário e cinematográfico dos vigilantes (um justiceiro por conta própria que protege os mais desprotegidos) com toques de fantasia. Chama-se Kill or be killed, sendo da autoria de Ed Brubaker. 

Gosto bastante de ler BD e novelas gráficas de carácter violento e visceral mas nunca nada se aproximou do nível de violência e de brutalidade que li numa das páginas do primeiro volume de Kill or be killed, em que uma das personagens refere inocentemente os abusos que sofreu na infância sem ter sequer a percepção do mal a que havia sido sujeito.

O comic book é tão digno de interesse literário como qualquer outro género e modo porque a boa literatura não tem de seguir sempre os mesmos moldes tradicionais como a prosa tipo romance ou a poesia. O preconceito e desconfiança com que muitos o encaram faz-me sempre lembrar a eterna discriminação que a Academia dos Óscares faz com a comédia para o prémio de Melhor Filme. 

Que se quebrem essas ideias pré-concebidas de que a BD são só super-heróis de capa a esvoaçar pela brisa do vento e de punhos na cintura com a sua típica pose imponente. E até esses nos ensinam a superar e a lidar com os nossos demónios interiores. 

Que se acabe com o preconceito e censura social de um adulto ler Paddington em público até porque não é apenas sobre um ursinho que gosta de marmelade, mas sim uma curiosa parábola às crianças refugiadas da segunda guerra mundial que escaparam aos campos de concentração e desembarcavam no Reino Unido de mala na mão e placa ao pescoço para serem identificados.

   Libertem os graúdos de todos esses estereótipos criados pelo mundo adulto e seremos todos mais livres!     

                  

               

               

NotaVale a pena não perder de vista a excelente publicação (de distribuição gratuita feita pela Fnac e de regime semestral) Bang! (https://revistabang.com/lançada pela editora Saída de Emergência tanto em formato papel como digital. Dá a conhecer vários artigos de opinião, entrevistas e títulos de fantasia, ficção científica, quadradinhos e terror, sendo este um projecto editorial de grande qualidade mas que passa despercebido nas bancas. Promove o catálogo da editora mas também conhecimento, divulgando temas de discussão como a representatividade no mundo audiovisual e literário.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Uma ode à criação e ao renascimento

Tanto a escrita como a edição são dois actos de criação, uma é primeira e a outra é a criação segunda. Existe ainda uma terceira criação feita pelo leitor, que com as suas experiências e história de vida ajuda a completar o sentido do livro através do gesto da leitura que também tem o poder de criar.

Depois de ler a banda desenhada, The Tale of One Bad Rat (de Bryan Talbot), percebe-se que existem paralelos de intertextualidade com um conto de Beatrix Potter. Encerra também em si uma forte carga de metalinguagem ao inserir esse mesmo conto no seio do próprio comics, como se fosse "a play within a play" do texto dramático Hamlet, estratégia literária essa que é também popularmente conhecida pela expressão francesa mise en abyme. O leitor passa assim a ler esse conto pelos olhos da protagonista, Helen. Tudo isso é criatividade na criação literária.

Gostaria de destacar que nas últimas páginas da banda desenhada existe ainda uma espécie de nota do autor com o sugestivo título Rat's Tail que funciona como uma terminação do discurso que se inicia nos bigodes do livro  (Rat's Whiskers). Nesta nota de autor, Bryan Talbot ajuda o leitor a compreender o processo criativo da escrita, assim como os detalhes de funcionamento da parte editorial e da publicação que surgem em permanente diálogo com as ilustrações (cores, rostos, locais retratados que são reais, símbolos, etc).

The Tale of One Bad Rat é uma ode à criação literária porque segue a estrutura tripartida do storytelling (vou morrer sem saber traduzir esta palavra!) exemplarmente, tendo as palavras Town, Road e Country como símbolo da viagem externa e interna da personagem, que como um rato de cidade, encontra a paz na purificação do campo que está longe dos perigos dos atropelos da (pouca) civilização humana existente.

É também uma ode à edição dessa própria criação porque na cauda do livro o autor explica passo a passo como transformou a sua imaginação (com pinceladas de realismo porque o tema aqui tratado é cru e pesado) e a sua pesquisa em quadradinhos

É acima de tudo uma ode ao renascimento de uma sobrevivente de um trauma de abuso sexual e de abandono na infância, tratada com o máximo respeito pelo autor. Não é uma BD fácil de digerir mas as letras e as imagens não tem de entreter sempre, devendo também alfinetar e desassossegar quem as lê com as duras realidades e com os horrores que outros vivenciam e que os cicatrizam.



Nota: Achei curioso que no capítulo Country a palavra Pint (que tantas dores de cabeça causou na tradução do poema narrativo de Raymond Carver) surge mencionada por uma das poucas personagens que ajuda Helen, o Mr. McGregor. Talvez possa ajudar a compreender a sua semântica e contexto a utilizar. Ironicamente tenho reparado que os dicionários inglês-inglês (como o Oxford English Dictionary que é excelente) são melhores para traduzir para português do que os de inglês-português.

Vanessa Oliveira Anjos.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Stan Lee e o seu editor/published/chefe

 O nascimento do Homem-Aranha.



Kurt Vonnegut

Kurt Vonnegut / . "You meet saints everywhere. They can be anywhere. They are people behaving decently in an indecent society."  

"Kurt Vonnegut, born Kurt Vonnegut Jr., was an American writer known for his satirical and darkly humorous novels. In a career spanning over 50 years, he published 14 novels, three short story collections, five plays, and five nonfiction works, and further collections have been published after his death. Born and raised in Indianapolis, Vonnegut attended Cornell University but withdrew in January 1943 and enlisted in the US Army. As part of his training, he studied mechanical engineering at the Carnegie Institute of Technology and the University of Tennessee. He was then deployed to Europe to fight in World War II and was captured by the Germans during the Battle of the Bulge. He was interned in Dresden, where he survived the Allied bombing of the city in a meat locker of the slaughterhouse where he was imprisoned. After the war, he married Jane Marie Cox, with whom he had three children." W 

Born: November 11, 1922, Indianapolis, Indiana, US Died: April 11, 2007, New York City, US Occupation: Writer Education: Cornell University, Carnegie Mellon University, University of Tennessee, Knoxville, University of Chicago (MA) Genre: Satire, Gallows humor, Science fiction Literary movement: Postmodernism Years active: 1951–2007 . "May Peace Be with You, Kurt Vonnnnegut




Sumário aula 10 (6/12) e etc.

O caso de discurso sobre o filho-da-puta de Alberto Pimenta (1977). 

Video et audio. Ou vice-versa. 

Escravos e Senhores. Aqui na faculdade.


Os muitos mandamentos da edição. 

Distribuição de cópia de maquete de funcionamento.

Edição: filtro, mecânica, copilotagem. 

Variações com Old Dope Peddler de Tom Lehrer. 

Bons princípios vs. Más práticas

Dom Quixote e Sancho Pança.

Mariana foi à Buchholz.



terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Um esquema possível (lembrar que cada tarefa aparentemente simples é um mundo)

I. Pré-produção

1.      Original chega à editora

1.1.    via agente

1.2.    editor

1.3.    amigo)

2.      Leitura

2.1.    Prós

2.2.    Contras

2.3.    Cálculo de riscos

3.      Decisão de investir

4.      Verificar se há apoios à edição, à tradução, etc.

4.1.    ou outros parceiros possíveis

4.2.    o que pode influir na tiragem e preço de capa

5.      Reunião decisória

6.      Contacto à contrato

6.1.    negociação dos termos duração/território

6.2.    Departamento jurídico: verificar

6.3.    comarca do diferendo

6.4.    o contrato é o botão nuclear: é bom que exista, mas não é para usar

7.      Apresentação breve do livro a todos os parceiros internos

8.      Delegação, calendarização, cálculo de custos e tiragem, preço provável de capa

9.      Plano de trabalho

9.1.    escolha do formato

9.2.    coleção

9.3.    chancela

9.4.    sinopse a usar, pontos fortes a sublinhar

10.  Pedido de ISBN etc. (pode ser mais à frente, mas não custa pensar já)

11.  Direitos legais de imagens

11.1.                    acesso a banco de imagens

11.2.                    mesmo que grátis, convém pedir, tipo a museus etc.)

12.  Ponderar investimento em publicidade

II. Produção

1.      Tratamento de texto

1.1.    Trabalho de editing com o autor/tradutor

1.2.    Clima de confiança mútua

1.3.    melhorias

1.4.    e sugestões, mesmo as melindrosas

2.      Se for um livro antigo, de direitos públicos

2.1.    OCR

2.2.    Verificar confusões, tipo i = l, 1=l, 0=o, r=v

3.      Design

3.1.    Paginação (tipo de letra, início de capítulos, mancha gráfica)

3.2.    Capa, mono (mínimo duas ou três propostas de capa)

4.      Contracapa, badanas

5.      Tipografia

6.      Primeiras provas impressas

6.1.    Revisão (por todos os implicados, revisor, autor/tradutor e editor, se possível

6.2.    envio da revisão

6.3.    aqui convém já não haver alterações de fundo, se o autor insistir pagará do seu bolso

7.      Segundas provas impressas

7.1.    revisão

7.2.    envio da revisão

8.      Cotejar a última prova

8.1.    pedir sempre para ver

8.2.    mesmo quando digam que está tratado

III. Promoção (Pós-produção, pró-moção)

1.      ISBN, depósito legal

2.      Comunicação e marketing

2.1.    estratégia da campanha

2.2.    táticas da campanha

2.3.    como criar interesse? Como cativar o bem mais escasso do planeta no século XXI, a atenção?   

2.4.    telefonar, telefonar sempre, como dizia Lenine)

2.5.    ponderar booktrailer e outras ações

2.6.    autor disponível para entrevistas (caso esteja vivo)

2.7.    negociar pré-publicação exclusiva

3.      Lista de contactos/mailing list

3.1.    A habitual, que fomos acumulando

3.2.    A nova: a quem pode interessar este produto concreto?

4.      Reunião dura com os comerciais – pontos fortes

5.      Negociar com grandes pontos de venda um potencial interesse no livro

6.      Enviar amostra para parceiros editoriais (dentro e fora, os americanos fazem isso)

7.      Dossiê de imprensa – Media

7.1.   hoje considerando também os novos influencers, instagramers etc.

8.      Dar 10 livros ao autor (o resto terá desconto de 30% e já é um pau – saiba porquê)

9.      Agendar lançamento/contactar parceiros

10.  Vendas

10.1.                    Pré-venda

10.2.                    Site da editora

11.  Armazenar caixotes com exemplares – fazer guias

12.  Enviar livros (digamos, 100) para fazedores de opinião e jornalistas-chave

12.1.                    eventualmente com dedicatória – é uma tarde

12.2.                    potenciais traduções

13.  Distribuir exemplares pelos pontos de venda

14.  Oportunidades

14.1.                    Concursos, prémios, Big Brothers

14.2.                    Escolas, parceiros potenciais, Plano Nacional de Leitura

15.  Ponderar reimpressão – se sim, que tiragem? E mais publicidade?

16.  Conflito: ir para tribunal?

16.1.                    Como? adonde?

16.2.                    «Foge, cão, que te fazem barão!»

«Para onde, se me fazem visconde?»


Até sempre

 Terminado este ano, muito obrigada pelas partilhas, Rui Zink. Muita sorte a todos os que ainda vão entrar no mercado de trabalho.  Façam mu...