Os quadradinhos (expressão do PT-BR para nos referirmos à banda-desenhada, graphic novels, etc.) a meu ver não são um género menor da literatura, tantas vezes visto como um parente pobre das letras que só serve para divertir o leitor. Deveríamos fazer como o Bart Simpson na abertura dos episódios dos Simpsons e escrever no quadro da escola tantas vezes quanto coubesse, que "os quadradinhos não são infraliteratura" para melhor interiorizarmos esta ideia.
O preconceito com este género literário, assim como com a literatura infantil e juvenil, parece impedir algumas franjas da sociedade de reconhecerem o seu mérito e capacidade para lidarem com assuntos sérios e delicados como a literatura de cariz mais tradicional.
Depois de ler The Tale of One Bad Rat, ocorreu-me um outro volume que lida com a mesma problemática de um modo ainda mais explícito e arrojado, reinventando o subgénero literário e cinematográfico dos vigilantes (um justiceiro por conta própria que protege os mais desprotegidos) com toques de fantasia. Chama-se Kill or be killed, sendo da autoria de Ed Brubaker.
Gosto bastante de ler BD e novelas gráficas de carácter violento e visceral mas nunca nada se aproximou do nível de violência e de brutalidade que li numa das páginas do primeiro volume de Kill or be killed, em que uma das personagens refere inocentemente os abusos que sofreu na infância sem ter sequer a percepção do mal a que havia sido sujeito.
O comic book é tão digno de interesse literário como qualquer outro género e modo porque a boa literatura não tem de seguir sempre os mesmos moldes tradicionais como a prosa tipo romance ou a poesia. O preconceito e desconfiança com que muitos o encaram faz-me sempre lembrar a eterna discriminação que a Academia dos Óscares faz com a comédia para o prémio de Melhor Filme.
Que se quebrem essas ideias pré-concebidas de que a BD são só super-heróis de capa a esvoaçar pela brisa do vento e de punhos na cintura com a sua típica pose imponente. E até esses nos ensinam a superar e a lidar com os nossos demónios interiores.
Que se acabe com o preconceito e censura social de um adulto ler Paddington em público até porque não é apenas sobre um ursinho que gosta de marmelade, mas sim uma curiosa parábola às crianças refugiadas da segunda guerra mundial que escaparam aos campos de concentração e desembarcavam no Reino Unido de mala na mão e placa ao pescoço para serem identificados.
Libertem os graúdos de todos esses estereótipos criados pelo mundo adulto e seremos todos mais livres!
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