domingo, 22 de outubro de 2023

10.1 Artesanato ou indústria

Se até meados dos anos oitenta as editoras portuguesas eram de pequena ou média dimensão, a crescente concentração em grandes grupos editoriais expôs que a edição não se tratava apenas de artesanato, podia ser feita em larga escala, de forma “industrial”. Surge então a dicotomia entre livro enquanto veículo de cultura e livro enquanto mercadoria. O livro deixa de estar apenas nas livrarias e alfarrabistas, passa a estar no supermercado, junto ao amaciador para o cabelo ou ao peixe congelado, até mesmo em estações de serviço.

    Parece-me que se trata de uma falsa dicotomia. Talvez o livro seja mesmo uma mercadoria capaz de veicular cultura. Talvez a edição seja uma arte – capaz de trazer ao de cima os autores mais obscuros, os textos mais experimentais, os formatos mais inesperados – e simultaneamente uma indústria cujo objectivo é facturar e que se guia por princípios mercantilistas. Há espaço para todos porque há leitores para tudo. A prova disso é que, apesar da concentração do mercado editorial, nos últimos anos editoras independentes têm surgido como cogumelos num Outono chuvoso. Esta aglomeração pode sim ter eliminado o modelo “tradicional” de pequena editora. Muitas vezes são projectos quase unipessoais, microempresas que não são a principal fonte de rendimento do editor. Outras são cobertas financeiramente por negócios mais rentáveis, como uma livraria (Snob, Tigre de Papel) ou prestação de serviços de tradução e revisão (Oficina Caixa Alta), por exemplo. 

    Arte e indústria não se excluem, complementam-se. Se As Malditas, de Camila Sosa Villada, foi editado em Espanha por uma chancela da gigante Editorial Planeta, em Portugal foi editado pela discreta BCF. Se Um Detalhe Menor, de Adania Shibli, foi originalmente editado pela Fitzcarraldo Editions, que publica um a três títulos por mês, em Portugal foi editado pela Dom Quixote, chancela que integra o grupo LEYA e que só no último mês publicou mais de uma dezena de livros. Existem, portanto, livros interessantes a surgir de ambos os meios.


João Narciso.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Até sempre

 Terminado este ano, muito obrigada pelas partilhas, Rui Zink. Muita sorte a todos os que ainda vão entrar no mercado de trabalho.  Façam mu...